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Farid Ud Din Attar - Poeta do séc. XII |
Um Dervishe Viajante
Um dervishe, depois de uma árdua e longa viagem através do deserto,
chegou por fim à civilização. O povoado se chamava Colinas Arenosas e
era quente e seco. Não havia muito verde, exceto feno para o gado e
alguns arbustos. As vacas eram o principal meio de vida das pessoas de
Colinas Arenosas. O dervishe perguntou educadamente a alguém que passava
se havia algum lugar onde poderia encontrar comida e abrigo para aquela
noite.
– Bem, disse o homem coçando a cabeça – não temos um lugar assim no
povoado, mas estou certo de que Shakir ficará encantado de lhe brindar
com sua hospitalidade esta noite.
Então o homem indicou o caminho da fazenda de propriedade de Shakir,
cujo nome significa “o que agradece constantemente ao Senhor”.
No caminho até a fazenda, o dervishe parou perto de um pequeno grupo de
anciões que estavam fumando cachimbo e eles confirmaram a direção. Eles
disseram que Shakir era o homem mais rico da região.
Um dos homens disse que Shakir era dono de mais de mil vacas.
– E isso é maior do que a riqueza de Haddad, que vive no povoado ao lado.
Pouco tempo depois o dervishe estava parado em frente a casa de
Shakir a admirando. Shakir, que era uma pessoa muito hospitaleira e
amável, insistiu para que o dervishe ficasse por alguns dias em sua
casa.
A mulher e as filhas de Shakir eram igualmente amáveis e deram o melhor
para o dervishe. Inclusive, ao final de sua estadia, lhe deram uma
grande quantidade de comida e água para sua viagem.
No seu caminho de volta para o deserto, o dervishe não conseguia parar
de se perguntar o significado das últimas palavras de Shakir.
No momento da despedida o dervishe havia dito:
– Dê Graças a Deus pela riqueza que tens.
– Dervishe – havia respondido Shakir – não se engane pelas aparências, porque isto também passará.
Durante o tempo em que havia passado no caminho Sufi, o dervishe
havia compreendido que qualquer coisa que ouvisse ou visse durante sua
viagem lhe oferecia uma lição para aprender, e portanto, valia a pena
considerá-la. Além de tudo, essa era a razão pela qual havia feito a
viagem, para aprender mais.
As palavras de Shakir ocuparam seus pensamentos e ele não estava seguro de ter compreendido completamente o seu significado.
Quando estava sentado sob a sombra de um arbusto para rezar e
meditar, recordou do ensinamento Sufi sobre guardar silencio e não se
precipitar em tirar conclusões para finalmente alcançar a resposta.
Quando chegasse o momento, compreenderia, já que havia sido ensinado a
permanecer em silêncio e sem fazer perguntas. Para tanto, fechou a porta
dos seus pensamentos e submergiu sua alma em um estado de profunda
meditação.
E assim se passaram mais cinco anos, viajando por diferentes terras,
conhecendo pessoas novas e aprendendo com suas experiências no caminho.
Cada nova aventura oferecia uma lição a ser aprendida. Entretanto, como
requeria o costume Sufi, permanecia em silêncio, concentrado nas ordens
do seu coração.
Um dia, o dervishe voltou a Colinas Arenosas, o mesmo povoado onde
havia passado alguns anos antes. Se lembrou de seu amigo Shakir e
perguntou por ele.
– Está vivendo no povoado ao lado, a dez milhas daqui. Agora trabalha para Haddad – respondeu um homem do povoado.
O dervishe lembrou surpreendido que Haddad era o outro homem rico da
região. Contente com a idéia de voltar a ver Shakir outra vez, se
apressou para ir ao povoado vizinho. Na maravilhosa casa de Haddad, o
dervishe foi bem recebido por Shakir, que agora parecia muito mais velho
e estava vestido em andrajos.
– O que lhe aconteceu? – quis saber o dervishe.
Shakir respondeu que uma enchente três anos antes o havia deixado sem
vacas e sem casa; assim ele e sua família se tornaram empregados de
Haddad, que sobreviveu à enchente e agora desfrutava da posição de homem
mais rico da região. Entretanto, esta alteração na sorte não havia
mudado o caráter amistoso e atencioso de Shakir e de sua família.
Cuidaram amavelmente do dervishe na sua cabana durante os dois dias e lhe deram comida e água antes dele sair.
Na despedida, o dervishe disse:
– Sinto muito pelo que aconteceu com você e sua família. Mas sei é que Deus tem um motivo para aquilo que faz..
– Mas não se esqueça, isto também passará.
A voz de Shakir ressoou como um eco nos ouvidos do dervishe. O rosto
sorridente do homem e seu espírito tranquilo não abandonavam seu
pensamento.
– O que ele quer dizer com esta frase desta vez?
O dervishe sabia agora que as últimas palavras de Shakir na sua
visita anterior se anteciparam às mudanças que ocorrerem. Mas dessa vez,
se perguntava o que poderia justificar um comentário tão otimista.
Assim deixou a frase de lado outra vez, preferindo esperar pela
resposta.
Passaram meses e anos, e o dervishe, que estava ficando velho, continuou viajando sem nenhuma intenção de parar.
Curiosamente, suas viagens sempre o levavam de volta ao povoado onde
vivia Shakir. Assim sendo, demorou sete anos para voltar a Colinas
Arenosas e Shakir estava rico outra vez. Agora vivia na casa principal
da propriedade de Haddad e não na pequena cabana.
– Haddad morreu há dois anos – explicou Shakir – e, como não tinha
herdeiro, decidiu deixar sua fortuna para mim como recompensa dos meus
leais serviços.
Quando estava terminando sua visita, o dervishe se preparou para a
viagem mais importante de sua vida: cruzaria a Arábia Saudita para fazer
sua peregrinação a pé até Meca, uma antiga tradição entre seus
companheiros. A despedida de seu amigo não foi diferente das outras
vezes. Shakir repetiu sua frase favorita:
– Isto também passará.
Depois da peregrinação, o dervishe viajou à Índia. Ao voltar a sua
terra natal, Pérsia, decidiu visitar Shakir mais uma vez para ver o que
havia acontecido com ele. Assim, mais uma vez se pós em marcha para
Colinas Arenosas. Mas em vez de de encontrar seu amigo Shakir, lhe
mostraram uma humilde tumba com a inscrição “Isto também passará”. O
dervishe ficou ainda mais surpreendido do que das outras vezes, quando o
próprio Shakir havia pronunciado estas palavras.
– As riquezas vem e as riquezas se vão – pensou o dervishe – mas, como pode trocar um túmulo?
A partir de então o dervishe adquiriu o costume de visitar a tumba de
seu amigo de tantos anos e passava algumas horas meditando na morada de
Shakir. Entretanto, em uma de suas visitas o cemitério e a tumba haviam
desaparecido, arrasados por uma enchente. Agora, o velho dervishe havia
perdido o único vestígio deixado por um homem que havia marcado tão
excepcionalmente as experiências de sua vida. O dervishe permaneceu
durante horas nas ruínas do cemitério, olhando o chão fixamente.
Finalmente, levantou a cabeça em direção ao céu e então, como se
houvesse descoberto um significado mais elevado, abaixou a cabeça em
sinal de confirmação e disse:
– Isto também passará.
Finalmente o dervishe ficou muito velho para viajar, decidindo se fixar e viver tranquilo e em paz pelo resto de sua vida.
Os anos se passaram e o ancião se dedicava a ajudar a quem se
acercava dele para os quais aconselhava e a compartilhar suas
experiências com os jovens. Vinha gente de todas as partes para
beneficiar-se de sua sabedoria. Finalmente, sua fama chegou até o grade
conselheiro do rei, que casualmente estava buscando alguém com grande
sabedoria.
O fato era que o rei desejava que lhe fizessem um anel. O anel teria
de ser especial: devia ter uma inscrição de tal forma que quando o rei
se sentisse triste, olhasse o anel e ficaria contente e se estivesse
feliz, ao olhar o anel se entristeceria.
Os melhores joalheiros foram contratados e muitos homens e mulheres
se apresentaram para dar sugestões sobre o anel, mas o rei não gostava
de nenhuma. Então o conselheiro escreveu para o dervishe explicando a
situação, pedindo ajuda e o convidando para ir ao palácio. Sem abandonar
sua casa, o dervishe enviou sua resposta.
Poucos dias mais tarde, um anel foi feito com uma esmeralda e foi
entregue ao rei. O rei, que havia estado deprimido por vários dias, mal o
recebeu, botou o anel no dedo e olhando-o, deu um suspiro de decepção.
Logo começou a sorrir e, pouco depois, ria às gargalhadas.
No anel que usava estavam escritas as palavras “Isto também passará”.
Histórias da Terra dos Sufis
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